quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Livraria do Mondego, nº 1 - Jean Marie Severin, o maior extremo esquerdo de todos os tempos!



Aí está o prometido. O Grande Desafio de Chris Landier é, sem sombra de dúvida, o livro mais importante da minha vida. Com tradução de António Gonçalves, a edição portuguesa foi publicada na Colecção Marabu Junior (sim, a que tinha milhares de livros do Bob Morane) pela Editora Ulisseia. Li-o pela primeira vez teria talvez dez anos e nunca mais me esqueço do que se passou quando o acabei. «Gostei muito, mas ó Manaca, qual é o grande desafio de que fala o título?» Aquela que não gostava de ser confundida com o antigo defesa central do Sporting dessa vez não me pregou uma estalada (guardou-a para depois, numa tarde - certamente ventosa - da Costa Nova em que me deixou simultaneamente calado e de boca aberta!!!), mas comentou: «Ó burro, não vês que o grande desafio não se jogou em nenhum campo de futebol?!»
Não tinha visto, mas fui ler sem custo o livro outra vez e desde aí nunca mais parei de o reler até hoje. A dada altura, muitos livros foram doados pela gestão PL a uma biblioteca da paróquia que não sei se chegou alguma vez a funcionar e nesse lote foi, para grande fúria minha, Le Grand Match. Perdi-o de vista até que...
bastantes anos mais tarde, descobri um outro exemplar da mesma edição - tenho a certeza disso porque há uma gralha na impressão do livro que coincide nos 2 exemplares!!! - numa Feira de Antiguidades em Évora. Quase saltei de euforia e felizmente não confessei ao feirante que estava disposto a dar uma fortuna por aquela preciosidade literária que, assim, arrebatei por míseros 100 escudos!
De que trata o livro? Como todas as obras primas, é impossível resumir. Só mesmo lendo é que se pode ficar a conhecer a sério todas as inesquecíveis personagens deste livro fabuloso e que em seguida vou enumerar. A começar, Jean Marie Séverin, jovem professor de liceu e talentoso extremo esquerdo do Sporting de Metz (nome fictício), o herói que vai viver quase kierkegaardianamente a angústia da escolha. Sim, Blé, já percebi que o grande desafio é esse mesmo.

Depois, os amigos Stanis Kariev e sobretudo Brick Ferrier. A família de Jeannot: os pais e os seus dois fantásticos irmãos André e Godefroid. Os companheiros de equipa: Closset, Morel, Jose Sterckx e Théo Sergent. Enfim, os mestres Pierre Delorme e Messieur Gillard.

Como boa literatura para rapazes dos tempos do pós-Guerra, parece que quase não há presença do elemento feminino, mas até aqui o Grande Desafio marca a sua diferença. Se repararmos bem, há a aparição, fugaz mas decisiva, da misteriosa Suzanne, uma «bonita rapariga, alta, delgada [com] um sorriso calmo e olhos sonhadores» que, misteriosamente, abandona a sala para ir buscar as chávenas de chá, numa cena onde é possível desvendar uma dimensão levemente erótica.

Dirão os mais apressados, mas, afinal, é um livro sobre futebol. Claro que sim, mas é especialmente sobre a amizade e a existência humana. Ensinou-me mais sobre ética e liberdade do que todas as páginas de Aristóteles, Kant e Sartre juntas, embora se pressinta alguma influência existencialista deste último. Mas, claro, isso só descobri muitos anos depois.

Devo confessar que, em certos momentos mais complicados da minha vida, lembro-me de Severin e de que como gostava de um dia chegar aos calcanhares das suas chuteiras. Dentro e fora do campo.
Que mais se pode pedir a um livro?

1 comentário:

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.