quarta-feira, 10 de abril de 2013

«Comer como gente grande»

A nossa dietista PL, no passado dia 7 de Abril, deu uma entrevista ao DI (Diário Insular) e eu aproveito para a disponibilizar por aqui para todos verem. :)

Parabéns prima!!


Comer como gente grande
 CATARINA PEDROSO DE LIMA

É dietista por vocação e não se imagina a fazer outra coisa. Catarina Pedroso
Lima desenvolve, na Terceira, um trabalho de nutricoaching, que vê na
motivação a sua base de sucesso. A dietista falou a DI sobre nutrição infantil e
lembra que a boa alimentação dos mais novos pode mesmo ser associada a
melhores níveis de rendimento escolar.


Nas suas consultas de nutrição tem vindo a desenvolver um trabalho de nutricoaching. O que é que este conceito implica?
 
Tirei um curso de especialização nessa área.
Trata-se de uma vertente do coaching que me despertou interesse. Desde que terminei o curso, tenho vindo a dar consultas de nutrição e a motivação é sempre o grande problema. A desistência das consultas de nutrição, por exemplo, continua a persistir. Através de uma pesquisa, deparei-me com o conceito de "nutricoaching" que passa pela transformação da consulta de nutrição, insistindo na motivação através de exercícios. Na consulta de nutrição, estamos mais formatados para dizer às pessoas aquilo que elas têm de fazer, o que têm de comer; ali há um trabalho de parceria. O utente e o profissional, em conjunto, encontram as soluções para o problema. A abordagem nas sessões de nutricoaching é mais voltada para a vertente psicológica e motivacional, e não tanto para as questões nutricionais e de dietoterapia.


E como é que funcionam estes exercícios de motivação? Quais são as suas dicas?

Em primeiro lugar, quando se vai a uma consulta de nutrição é mesmo preciso querer fazê-lo. Não funciona só porque a família o ou amigo o aconselham. O nutricoaching passa por fazer a pessoa perceber porque é que a dieta ou o plano alimentar - isto é, a mudança - é realmente importante para ela e o que é que pode ganhar com isso. Nas consultas de nutrição também se faz esse trabalho: é mais virado para a informação e o trabalho no psicológico é inerente a essa transmissão de conhecimentos. Mas é muito importante fazer, acima de tudo, com que a pessoa tome consciência da relevância dessa nova dieta: se se sente feliz e o que pode ganhar com a nova mudança. Deve atuar-se ao nível da causa e não da consequência, porque pode acontecer que as pessoas voltem a ter os mesmos problemas. Sucede muito, aliás, termos pessoas que nos dizem ter seguido um plano alimentar durante algum tempo e que, depois, voltam ao que eram antes.
Ou seja, o que despoleta o problema (podem ser motivos emocionais, por exemplo) mantém-se.


Trata-se de uma prática recorrente nos Açores?


Que eu tenha conhecimento não, até porque se trata de um conceito bastante recente. Ao nível nacional, já começa a haver e há até um
site na internet que apresenta uma rede com estes profissionais. A mentora deste projeto, a nutricionista Joana Costa, tem vindo a trabalhar no sentido de incluir este tipo de abordagem nas licenciaturas de nutrição.


Esse trabalho também pode ser desenvolvido com crianças?

 
Não vejo qualquer impedimento, embora tenha trabalhado este conceito na vertente dos adultos.
Do que entende pela sua experiência profissional, o excesso de peso e a obesidade na infância são problemas relevantes nos Açores?
Os Açores são das zonas do país com taxas mais elevadas de obesidade infantil. Penso que as pessoas ainda estão pouco consciencializadas para a questão e ainda há muito a ideia de que a criança tem de comer muito, pois está a crescer e, às vezes, alimentos que não lhe fazem tão bem. As crianças "cheiinhas" ainda são vistas como as crianças com saúde, com bom aspeto. Sem dúvida que a infância é a altura chave para começarmos a incutir hábitos. Depois de adultos, depois desses hábitos já estarem enraizados - e isso vê-se nas consultas de nutrição - é muito mais difícil alterar rotinas e práticas. A cura, mais uma vez, está na prevenção.


Quais são, na sua opinião, os maiores erros que se cometem na alimentação dos mais novos?


Um dos maiores erros tem que ver com o pequeno-almoço. Ainda há muitas crianças que vão para a escola sem tomar esta refeição. Há estudos científicos que indicam que o pequeno-almoço está relacionado com o rendimento escolar: sabe-se que uma boa alimentação, uma boa nutrição, está associada aos níveis de rendimento escolar superiores. E isso ainda acontece muito: ou não tomam o pequeno-almoço ou levam para a escola aqueles snacks mais calóricos. Nas próprias escolas, já se vai tentando fazer um trabalho mais aprofundado de sensibilização, mas tem de ser um trabalho de parceria entre os pais, os estabelecimentos escolares, os dietistas e os nutricionistas. É uma
tarefa que ainda falta fazer no terreno.


Na maioria das escolas da Região ainda não existe um programa fixo que aborde as questões da nutrição. Como é que vê esta questão?


Nas escolas do arquipélago, fazem-se atividades pontuais nos dias mais lembrados, mas isso só é eficaz se for feito de forma contínua. A culinária saudável, por exemplo, é uma boa atividade. As crianças são muito recetivas, uma vez que se trata de uma atividade que implica criatividade e diversão. Há aqueles alimentos que os mais novos às vezes rejeitam, como é o caso dos legumes e da fruta. Pôr mais cor e animação no prato e pô-las a participar nesse processo é bastante benéfico. Os adultos já têm vícios e hábitos, as crianças estão na fase da aprendizagem. O caso da reciclagem é um exemplo disso. Além disso, para aprender tem que haver prazer.


O que é que está a falhar, nos Açores, para termos dados tão preocupantes no que diz respeito à obesidade infantil? Por que é que prevenção nas escolas ainda não é uma aposta clara?

É inevitável falar dos constrangimentos económicos. Há falta de apoios e nas escolas há falta de profissionais na área da nutrição. Para fazer um trabalho como deve ser, para que haja o acompanhamento devido, faz todo o sentido contar com mais especialistas na área, até para que se possam realizar atividades com mais frequência, até integradas nos
planos curriculares das escolas. Existem países na Europa que incluem aulas de culinária saudável nos seus planos curriculares.


Um dos mitos que ainda persistem no que diz respeito à obesidade infantil tem que ver com a ideia de que o problema acaba por passar com a idade, o que não é verdade.


Exato. As pessoas pensam que os problemas de obesidade acabam por passar à medida que se vai crescendo, o que não é verdade. Aliás, é na infância que se formam as células adiposas, as células que contêm gordura. Daí, ser uma fase tão determinante.


Que problemas podem, depois, perdurar na vida adulta?

 
Muitos: diabetes, hipertensão arterial e outras patologias cardiovasculares, até mesmo doenças oncológicas e do foro psicológico (falta de autoestima...) A obesidade e o excesso de peso arrastam muitas consequências.


Em termos de dieta, o que é que deve ser tido em conta ao longo das várias fases da vida? Há alimentos mais recomendados que outros em determinadas faixas etárias?

 
A roda dos alimentos é sempre uma referência, mas é óbvio que, consoante as faixas etárias, as necessidades nutricionais são diferentes.
A verdade é que é preciso comer um bocadinho de tudo. Não há alimentos proibidos: o segredo é variar, comer um pouco de tudo nas porções certas. Claro que os legumes, as frutas, os cereais integrais - depois a carne e o peixe - são aqueles que devemos comer em maior quantidade.


Quais são os grandes problemas da gastronomia açoriana - que parecem, aliás, estar associados aos números elevados de doenças como as cardiovasculares?

O grande problema na dieta tradicional dos Açores tem a ver com as gorduras, os açúcares... A parte festiva do arquipélago está sempre associada à comida e, realmente, temos uma gastronomia riquíssima, mas que também tem esses desequilíbrios.


Na sua opinião, a falta de dinheiro está associada ao comer pior?
Ainda existe o mito de que a alimentação saudável, ou que "fazer dieta" é caro. A verdade é que os alimentos de que precisamos mais - e que não são propriamente a carne, nem o peixe, mas os legumes, a fruta, os cereais, as leguminosas, sendo estas últimas muitas vezes esquecidas e muito ricos do ponto de vista proteico e mineral - não são assim tão caros. Muitas vezes os snacks, as bolachas ou os chocolates acabam por ser mais caros. É um mito que persiste.


Por outro lado, sente que as pessoas estão mais sensibilizadas para a necessidade de se alimentarem de forma saudável?
Nota-se uma certa evolução nesse sentido. Na teoria, as pessoas começam a ter mais noções, mas falta chegar à prática, ao incutir ideias.
Falta muita consciencialização e falta essa atuação desde as ideias mais baixas. Tenho tentado apostar nesse sentido, até porque as crianças são um público com que gosto especialmente de trabalhar. Penso que faz todo o sentido: elas são a esperança, são os seres em transformação em quem se pode apostar com mais eficácia. Já colaborei com algumas creches e jardins-de-infância. Na área da culinária, já trabalhei com ateliês de tempos livres e os miúdos gostam porque estão muito envolvidos na aprendizagem.
 

Hoje existe cada vez mais facilidade no acesso à informação, o que faz com que as pessoas façam - ou pensem que fazem - as suas próprias dietas. Acha que o trabalho dos dietistas e dos nutricionistas pode decrescer de importância?

É verdade e pode ser um pouco perigoso. Por causa disso mesmo, acabei por desenvolver uma página no Facebook com o objetivo de partilhar e transmitir o máximo de conhecimento às pessoas. Também disponibilizo alguns serviços para tentar evitar esses problemas.
Tenho tido boa receptividade e as pessoas colocam as suas dúvidas.


ENTREVISTA ORIANA BARCELOS
FOTOGRAFIA ANTÓNIO ARAÚJO


(in www. diarioinsular.com/)

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