sábado, 12 de dezembro de 2009

PLs de outrora - 1 vez por semana, a biografia light de um antepassado


IV) "Preto como o carvão"


"Ah...são irmãos?!? Quem diria! O Mathias é tão louro e de olhos azuis, enquanto que o Bernardo... o Bernardo é preto como o carvão!". Desde muito cedo que os dois manos PL da Risca-Silva - o futuro Sr. Capitalista e o seu irmão rapaz mais próximo em idade - se habituaram a considerações desde género. E a história foi passando, de geração em geração. Estranhava-se que no seio de uma família tendencialmente mais alourada tivesse nascido um rapaz tão moreno como Bernardo. Mas - tez à parte - a verdade que os manos se davam muito bem. Ambos tinham muito em comum: um profundo amor pelo "capital" e uma profundíssima devoção. Viviam a dois passos um do outro, e Bernardo apadrinhou grande parte dos filhos de Mathias. Aliás, a Casa do Padre Bernardo (como ainda é conhecida) - exemplar curioso da (pobre) arquitectura oitocentista local - ainda lá está, e, há uns anos, esteve mesmo em risco de ser alienada para ser convertida em "convento" de uma dessas "seitas/comunidades para-religiosas" que tomaram de assalto a região. Pela espinha do velho eclesiástico teria, decerto, corrido um calafrio se tivesse tido conhecimento deste possível destino da sua morada. No entanto, o negócio (não convém fazer contratos com certas organizações como, bem a contragosto, veio a constatar o Primo Q.) não se chegou a realizar.

E como conseguiu este rapaz tão moreno (que alguns dizem ter escurecido ainda mais ao longo da vida pelo temor que nutria pela água) manter os referidos dois interesses vivos? Como conciliar harmoniosamente piedade e capital? Por um lado, enveredando pela vida religiosa - no que foi incentivado por toda a família, desde o seu avô materno, António José PL, que até lhe deixou alguns bens em testamento para tomar ordens. Por outro, sendo um judicioso administrador do património herdado, e procurando sempre arredondá-lo. Eclesiástico com alma de latifundiário, o Padre Bernardo foi o ÚNICO, das muitas centenas de padres que já estudei, o único que, ao indicar a sua profissão, não se declara cura, nem coadjutor, nem presbítero... mas sim...proprietário!


Grande devoto de Nossa Senhora das Necessidades e dedicado protector da sua capela - que distava uns 60 metros de sua casa - decerto que o Tio Padre Bernardo ouviu entoar, pelas gentes de Poiares, nas grandes romarias das Necessidades, muitas vezes o velho rifão:


"Senhora das Necessidades,

Dizei-me onde morais.

- Moro na Risca-Silva,

No meio dos pinheirais".


E sabendo que boa parte dos pinheirais eram seus, e que a Senhora das Necessidades decerto velaria por eles, manter-se-ia descansado enquanto pensava nas rendas de Serpins que tinha de tratar de cobrar.


2 comentários:

  1. Fantástica a mini-biografia do Padre Bernardo.
    Na era da Obamania, fica-nos bem assumir uma raiz afro. E eu a pensar que a minha tez morena só tinha origem no Brasil...
    A propósito de origens, não resisto a contar um episódio com o Rodrigo. Como sabem ele é sempre muito encalorado. Um dia destes, a Isabel disse-lhe "tu estás sempre com calor! Será que tens algum parente africano?". E o Rodrigo: "Amadora conta?" - imitando o sotaque do Professor Chibanga, dos Gatos Fedorentos. Não se esqueçam que o Rodrigo nasceu mesmo na Amadora (no Hospital Amadora-Sintra, freguesia da Venteira, concelho da Amadora), mas é benfiquista, não torce pelo Estrela.
    Gostei imenso Luís!

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  2. É óbvio que as biografias "light" já merecem uma secção especial no blog. E, por este andar, Maré Cheia qualquer dia será demasiado pequena para tanta iguaria literária.
    Pergunto apenas: onde acaba o romance e começa a fidelidade historiográfica (ou vice-versa)nestes teus escritos, LCO?
    Seja como for, estão cada vez melhores.
    Abraços

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