II) Clara Augusta: capitalismo e devoção
O cadáver de Clara Augusta Pedroso de Lima foi - segundo os cronistas da época - acompanhado ao jazigo por uma multidão de pobres e clérigos. De uns e de outros, a mulher do Capitalista Mathias P.L. fora "desvelada protectora". E, aparentemente, o traço dominante da nossa biografada da semana foi uma generosidade severa, nada complacente com mentiras e/ou ocultações, direccionada sobretudo para a classe eclesiástica e para os poiarenses mais desvalidos.
Não devendo muito à beleza, mas desde muito nova tida por rica herdeira, a filha de "Mil Anjos" foi, aos 13 anos, pedida em casamento pela primeira vez pelo seu primo Mathias. Respondeu negativamente, alegando que, se cassasse, não poderia continuar a frequentar a "Mestra" (aonde ia acompanhada pela sua criada Carolina) - o que mostra uma pendência para a instrução pouco vulgar entre as suas conterrâneas. O primo insistiu aos 14 e, depois aos 15 anos - e recebeu sempre a mesma resposta. Aos 16, finalmente acedeu.
O pendor fortemente místico e a paixão pelos assuntos da Igreja, característica marcada dos que a rodeavam e provavelmente muito influenciada pelo seu prohenitor, ter-se-ão vindo a agravar à medida que os anos passavam, com as agruras que as infidelidades do marido lhe provocariam. Patrocinando generosamente tudo o que se relacionasse com a "sua" Capela de N. S. das Necessidades, na Risca-Silva, ofereceu à imagem principal o traje que esta ainda hoje ostenta.
Longe estaria, contudo, de imaginar esta mulher tão rica quão pideosa que, largas décadas passadas sobre a sua morte, uma neta "adoptiva"a imortalizaria numa passagem do premiado "Os Outros e Eu" (há pouco referido por JT), num excerto de uma conversa entre a Nela e o Tio Vasco:
"- Sabes como é que eu ia para a praia quando era miúdo?
- Não, como era?
- Vivíamos na nossa terra, e vínhamos de barco pelo rio abaixo. Levávamos uns poucos de dias a fazer o caminho que agora se faz em poucas horas.
- Devia ser divertido...
- E era! Para nóa era uma paródia! Mas para as criadas talvez não fosse...
- Porquê?
- Porque para não estarem a perder tempo sem fazerem nada durante a viagem, a minha avó lhes dava uma tarefa: vinham a fiar todo o caminho.
- A fiar?
- É verdade! Fiava-se e tecia-se em casa o linho a lã para a nossa roupa".
E assim era: todos os anos, Clara Augusta e Mathias P.L. embarcavam, no Porto da Raiva (onde possuíam casas, terrenos e armazéns), como todos os filhos - Mª dos Prazeres, Virgínia, Joaquim, Alfredo, Conceição, Adelaide, Aurora, Armando e Carmina - e empregados q.b. E iam, Mondego fora, passar um par de meses à Figueira.
generosidade severa, a cara simpática no retrato...afinal o "nosso" mau-feitio não foi herdado apenas da avó carolina ;)
ResponderEliminarA Avó Clara Augusta, sempre severa e austera nas fotos, é uma das mulheres da família que mais admiro.
ResponderEliminarApesar de ter vivido numa época profundamente frustante para a sua condição (pois qualquer menina da sua época tinha apenas duas hipóteses, ou vir a ser «senhora de ...» ou entrar para um convento), conseguiu deixar bem viva a sua marca em terras de Poiares.
Apesar de ser filha de "Mil Anjos" e de se ter casado com o "Sr Capitalista", dois homens muito influentes, sempre valorizou muito a sua formação/instrução o que fez escola nas mulheres PL.
Para além disso, como bem refere L, sendo uma esposa devota, conseguiu conciliar essa autonomia intelectual, com uma notável acção caritativa na região.