São Vicente te acrescente
São Mamede te levede …
Até há pouco tempo, a tarde de Sábado de Aleluia era passada em casa dos Pais onde a alegria e confusão se instalavam temporariamente. As tarefas eram distribuídas por todos.
As formas e os tabuleiros ficavam meticulosamente untados, assim como as mãos, o nariz e a t-shirt dos pequenos responsáveis. As frutas cristalizadas eram cortadas e as amêndoas peladas graças à paciência de uma das netas. Invariavelmente, os dedos ficavam mais coloridos que os ovos. Nunca percebemos se a culpa era dos corantes ou da falta de jeito dos artistas.
Era uma azáfama muito, muito animada.
Enquanto os mais novos pintavam e recortavam pombas de cartolina e outros cuidavam dos arranjos florais, na cozinha ouvíamos a voz da Mãe «São Vicente te acrescente, São Mamede te levede, pelas cinco chagas de Cristo, quem te comer, medre», palavras sempre acompanhadas do tradicional rito de gestos. Depois a Mãe continuava, «vamos tapar a massa com um pano húmido e colocá-la numa zona da casa mais quente para levedar. Deve dobrar, pelo menos, o seu volume». Os mais novos, polvilhados de farinha, espreitavam, ansiosos, a massa – repetidas vezes – e pareciam ficar sempre surpreendidos com a transformação. «Está enorme! Venham ver! Vai transbordar!». Havia sempre alguém que clamava «Quem me pode trazer mais farinha que tenho as duas mãos na massa!», «Já não há ovos! Não me digam que já gastámos todos? Alguém vai ao supermercado?». Até que a Mãe, sensatamente, nos interrompia: «Vamos tomar um chá, que estamos todos a precisar!». Retemperados, continuávamos divertidos.
Ao fim do dia era preciso decidir quem podia ir à Vigília Pascal e quem ficava a tomar conta dos mais pequenos. «Não se esqueçam de vigiar o cabrito no forno! Nem de pôr a mesa para a ceia. A toalha está na cómoda do hall!», aconselhava a Mãe antes de sair.
Esta partilha de responsabilidades, com a qual nos sentíamos únicos e indispensáveis na preparação da Páscoa, é, com certeza, uma das melhores recordações que preservo.
Talvez por isso, gosto particularmente desta altura do ano.
Aprendi que este é um tempo propício à reflexão, para deixar cair o que não interessa, para olhar em frente e valorizar o que faz com que a vida valha a pena ser vivida. Recordar que existem pequenas coisas que são grandes, como um sorriso cúmplice, um olhar encorajador ou um telefonema ao fim do dia.
Sentir que, como diz Serge Latouche, o que realmente conta na vida não se mede.
E esta é uma boa oportunidade para nos perguntarmos se no dia-a-dia não reduzimos a felicidade a um indicador económico. Se de alguma forma limitamos a qualidade de vida ao bem-estar material, ao que pode ser avaliado quantitativamente e estatisticamente. Uma casa, dois automóveis, …
Se assim for, como nos propomos medir a cumplicidade de um casal, a atenção crítica e solidária da família e dos amigos, a generosidade de uns e a sabedoria experiente de outros, ou até mesmo o cheiro das glicínias na Primavera?
Hoje, Domingo de Páscoa, tempo em que celebramos a passagem para uma vida mais justa e mais solidária, vale seguramente a pena parar … para pensar e fazer um balanço pessoal.
Coimbra, 28 de março de 2012
Teresa Pedroso de Lima
Parabéns Teresa! O texto está muito bom e diz-nos muito. Obrigado pela doce recordação da Páscoa PL!
ResponderEliminarMuito bom!!Saudades Alentejanas mana Teresa.
ResponderEliminar